28 de maio de 2011

26 de maio de 2011

À Manoela Alcântara


Todo dia à meia-noite

tiro a roupa para ler Clarice.

Para ser Clarice?!

As mãos,

que nos permitem o face a face

se aquecem para segurar o livro.

Este contém o impulso

de percorrer meu corpo,

aguarda impaciente

o último dizer do capítulo

e primeiro do próximo:

pausa para a carícia solitária

e para o gole de café.

Preciso manter-me viva.

Manter-me lenda.

Ninguém saberá

que sou mulher que vira bicho

toda meia noite

sem precisar rolar pelo chão.

Pensam que sofro de algum recalque.

Pensam que não consigo dormir.

Pensam que sonho

com um falo nascendo em mim

como nascia um tal pé de feijão.

Sou mulher.

Mulher,

que nunca tinha se passado por nada

e toda meia noite

quando aquele olhar incógnito

estuda minha nudez pelo livro espelhado

o pudor se transforma num ódio, num amor:

os donos desse momento apaixonado

em que tudo passa a ser eu.

23 de maio de 2011

andam falando por aí

que todo artista tem o perfume de sua

arte.

o açougueiro cheira a animal morto,

o fruteiro à acerolas, laranjas, maçãs.

de todos, o poeta, tem a melhor fragrância:

ele cheira à poesia.

a menina com doce na

boca. a menina com a maçã

do rosto. a menina de

pontas de pés.

a menina quer saltar,

quebrar nozes.

a menina quer crescer,

largar as sapatilhas.

a menina quer amar

a menina, quando menina,

quis ser menina.

a menina, hoje de peito,

quer meninos aos seus

peitos, e um homem, ao leito.

dizer não, quando se diz

sim. sim, quando

não.

só, quando aqui,

lá quando o lá

é mi.

e o sol, bate nas frestas,

rasgasse-lhe às réstias,

dissipasse-lhe o

que nem resta.

de repente bate à porta

qualquer rosto, qualquer

voz, e abresse-lhe, mais

de repente ainda, a casa

como cheirando à roupa

velha, guardada.

abresse-lhe porta a porta,

deixasse-lhe

abrir.

e fora, o que fora

lá fora. e guardasse-lhe,

dentro do peito, o que

porta alguma pode abrir,

o inominável sol que não

clareia frestas, mas

esquentasse-lhe ainda,

feito chama, o peito

que sacode ao que

portas abresse-lhe.

se inda duvidasse-lhe.

sente o peito

rechaçasse-lhe o peito

ao que dói.

ao que sentesse-lhe.

ao que, se lhe pede,

pra que diga,

dirá: se lhe.

é só felicidade

de lembrardes o rosto

o toc toc dos sapatos

o pigarro de velho

e as mãos frias contra

espinha quente.

é lembrar, com

felisaudade

o que o tempo não

devolve: arrastasse-lhe.

diz-me

“não me esqueça...”

e passarei dias

à janela

esperando ver teu

rosto em qualquer

vagabundo

que me bata à porta.

não eram borboletas,

corações alados, menino!

josé espera a luz reacender,

a noite esquentar,

e a festa não ter fim.

josé agora tem mp3,

sensor automático na luz

e uma lareira

que atende à palmas.

josé acabou a poesia.

- josé, por quê?

I

- vazio na cama e chocolate mordido

II

- o inenarrável?

III

- se narrada, deixaria de ser sentida.

IV

- a que é saciada com o reencontro

V

- a que vive de reencontros e nunca é saciada.

todos já foram meninos,

hoje restou a saudade.

e no entanto, aquela sorte,
de tão vil, acaso e norte
são pavios curtos
sem zelo, esmero, esperança.
[alcântara

haveria uma febre descontrolada
se aos amantes não proibissem o amor livre.
amar-se-ia nas calçadas, nos becos
avenidas, bibliotecas, sorveterias
nos campos de futebol...
nos hospitais se amaria
e a febre já não seria uma dor
e a dor não ocuparia mais o corpo
dos desfalecidos, que agora amariam.
nos hospícios, loucos, enfermeiros, todos amariam.
até nos presídios se amaria.
e os carcereiros amando
soltariam os presos que também amando
matariam pelo impulso da maldade
a qual eles amam
até não restar ninguém para amar
e o amor se extinguiria de todo.
debaixo de toda armadura há
a fragilidade
debaixo de pontes de concreto
e zumbido de carros
há um lago tranquilo que
corre sem pressa
por dentro de todo peito
há um latente coração
pulsando
pulsando
pedindo
pedindo
ronronando
ronronando
por dentro de todo olhar duro
há a menina
que inda não menstrua
e brinca de pular corda
às cinco e meia da tarde
depois do chá
com suas amigas.

e no entanto a sorte, a crença,

na verdade o que se pensa:

são dois corpos agitados

dois mochos sobressaltados

voando, feito redemoinho.

e no entanto, aquela sorte,

de tão vil, acaso e norte

são pavios curtos

sem zelo, esmero, esperança.

no entanto, e só portanto,

quisera eu o quanto

te quis um dia,

quisesse-me outra vez, sobressaltada.

conquanto, belo acalanto,

saístes ao sol feita em balanço

agitando o que de bom havia

e abrindo as bocas, dos moços,

das moças, que te viram um dia.

e no quando, abria-se em mormaço

teus pés crus a cada passo

me diziam que sem ti

aquele abraço

era só monotonia.

amiga, amor,

palavras duras,

puseram-nas nuas

a cortar-me a alma.

palavras sempre foram belas,

mas não as tuas.

amada, amor

sempre em preces o que te dou

sem revelias. acaso o pranto

que em ti murchou, dissesse a mim

o que passou, soubesse o quanto,

se me notou, ou fui um

dos muitos tantos

que tua seda-pele tocou.

por fim, culpada tu, findou

o verso que em mim jorrou.

(...)

- de fato! tenho pena das crianças que perdem o sabor das refeições por comerem frente aos aparelhos de tevê!

a máxima levantada pelo novato foi adotada, plausivelmente, pelos já veteranos. trazia consigo toda a experiência de quem conhece o gosto divino dos pratos, embora simples e pouco elaborados, esses traziam a maior divindade, repito. a frase ficou no topo dos mandamentos gulistas, seguida por:

2. não jejuar

3. alimentar ao próximo como a ti mesmo

4. não negarás galeto a quem sente fome

5. deliciarás nos sabores dos pratos

6. prepararás boas refeições à família

7. educarás os filhos aos banquetes

8. buscarás sempre a congestão

9. a mesa é o lugar das reflexões

10. o mestre é o grande sábio(...)


16 de maio de 2011

ontem fizeram festa
soltaram fogos para o homem-barba
dançaram nas ruas extasiados
mesmo vestidos dos pés à cabeça.
o homem-barba que voou
até a outra terra depois do grande mar
e lá fez o fogo aparecer no alto
foi saudado como um grande.

hoje fizeram festa
soltaram fogos no homem-barba
marcharam nas ruas estranhas
homens armados dos pés à cabeça
pisando os dançarinos ainda em êxtase.
e do homem que tinha voado
até a outra terra depois do grande mar
e lá feito o fogo aparecer no alto
cortaram sua longa barba
e foi esquecido como um pequeno.

4 de maio de 2011

a única vez em que vi teresa
não houve beijos nem festa nem gozo
e a música não era uma valsa.
a única vez em que vi teresa
nos cruzamos pela rua
e sequer ela me disse adeus.

2 de maio de 2011

quando vier outra vez a chuva
que a água varra para longe
a saudade que eu não tive esquecida
e não caia das nuvens uma só gota de melancolia
e o vento não leve das árvores
as folhas que fazem sombra na calçada
e os meninos na rua não parem de jogar bola
com medo de se molhar
porque a chuva só veio dar descanso ao sol.

1 de maio de 2011

de repente não era permitido
deixar perder-se o tempo.
necessitamos correr
correr mais rapidamente
em desespero
para não escaparem os desejos
e para fugir dos convites que nos fazia
a cidade onde estavam todos
menos nossos irmãos, heróis, poetas.
 

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